sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sem destino.


Eu te encontrava em todas as esquinas, você sempre estava lá. Estava pichado nos muros, você estava no emaranhado de cercas, pendurado nas árvores. Estava nas luzes que vinham do alto dos postes, estava na faixa de pedestres, estava no perfume da moça que espera. Eu te via nas esquinas dos meus sonhos, nas agitações da minha noite, no meu acordar desesperado, no meu olhar perdido tentando entender se já era dia ou se eu ia te ver um pouco mais. Você estava nos meus planos, cada detalhe minucioso que tracei. Eram seus os olhos, a voz era toda sua, assim como o jeito de andar e a opinião sobre o meu livro favorito. Não era só um espelho de mim, mas um pouco mais. Seus defeitos eram rabiscados do jeito que eu sempre quis, desde a ponta de seus pés até o contorno de suas orelhas. Não que eu quisesse te cobrir de defeitos, mas eu queria você mais humano. Não queria encanto, por mais que você oferecesse. Era o sujeito em cada esquina que eu queria.

Você veio.

Você foi planejado. Meus momentos, seus momentos. As palavras. Desde feto eu sabia o que ia sair da sua boca, o que ia me atingir no peito, o que você defenderia com tanto ardor.

Você foi.

Eu não te encontrava nas esquinas. Te cavava nos quintais alheios, em outros contornos, em outros cabelos. Nada. O vazio. O nunca suficiente.

Tanto fiz pra te planejar.

Tanto te tracei.

Você foi e eu não consegui pôr outro no lugar. Porque o outro nunca teria o seu vigor, as suas mãos, os seus detalhes.

Viriam outros. Sem planos, cheios de defeitos que não pedi , cheios de contornos retos que não sonhei. Eu os aceitava, mas nunca pulavam portões. Nunca quebravam barreiras.

Sem destino.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sem os pés no chão.


Ela vivia me explicando como era.
"- É assim: você se apaixona, muito muito, perde o ar e tudo mais. Aí você gosta dele, ele gosta de você, vocês casam e têm um montão de filhinhos. Super simples."


Tá de brincadeira? Eu quero mesmo é ser grande. Eu vou fazer várias coisas pelo bem estar social. Porque ciência é bem estar social, você sabe. Eu vou investir nisso. Vou ser independente também. Homem nenhum pode comigo. Se apaixonar é para os fracos. Filhos eu não quero não. É muito sério moldar pensamento de gente, ainda mais gente não moldada. É quem nem pintar um quadro em branco. Se ainda viesse com os contornos, o desenho semi-pronto, vá lá, mas assim, todo em branco, eu que faço tudo? Não, muito difícil.
Eu tenho sempre um pé no chão.




"Eu desejo mesmo, minha amiga, que você beije com amor e que seu coração bata depressa, e que ele pegue sua mão e encha seu estômago de borboletas. Eu desejo mesmo que você seja boba, ao menos uma vez."




Eu nem sabia que dava pra vestir um chapéu canceriano numa alma de capricórnio.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sem o pano de planos.


E o que havia de vir depois de tantas mudanças?

Eram azuis os olhos que acompanhavam o longo discurso sobre seus planos. Meticulosos, trabalhados.

Por mais de uma hora segurou a sua mão e ouviu a erupção de palavras; inalava pouquíssimo ar, parecia que ia se desfazer em poucos segundos, mas os calmos olhos azuis não se redirecionavam - perseguiam cada movimento como se houvesse sede pelas mentiras aceleradas. Mentiras. Planos que não ultrapassaram o desenho das escadas. Não subiram os andares certos.

Desviados para o outro lado da poça de um líquido murmurado. Era preciso um barco de incertezas para atravessá-lo. Não o fez.

Quis o seguro, o próximo.

Faltou o vôo. O tombo. Os olhos azuis com mãos que se projetam para que ela levante.

Quando dormia, guardava os sonhos no travesseiro. Na fronha. No pano de planos.

Acabou não os encontrando mais.

"E fica explícito que se vou pra frente, coisas ficam pra trás - a gente só nunca sabe que coisas são essas."

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sem a capa ariana.


Dava pra ver as borboletas chegando ao seu estômago.
Como nunca havia presenciado tal cena, não sabia o que estava por vir.
O vermelho do seu rosto foi a primeira dica do tremor seguinte. A voz que falhava entre palavras interrompidas por cortes emotivos. As palavras, antes tão facilmente dominadas por você, venciam
sem esforço, se emaranhavam entre suas mãos que seguravam o cabelo como quem procura um motivo para abaixar a cabeça e, consequentemente, os olhos.
E elas vieram. Timidamente, de início. Rolavam por seu rosto contornando a palidez agora corada. Depois perderam a timidez e caíram ferozmente sobre suas mãos trêmulas, aumentando a avalanche de palavras cortadas que saíam de você.
Era um menino, como nunca tinha sido. Não pra mim.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Sem os giros da ciranda.


Era estranho, aquele rapaz. Me tomou pela mão bem depressa, enquanto uma chuva tamborilava meus cabelos delicados, e disse que precisávamos correr pra fugir da calmaria. Depois que me largou, disse as palavras tão flutuantes pra que eu pudesse passar uma noite e mais um dia perdida em pensamentos. Ele não era parte do que eu tinha vivido até hoje mas estava tão bem entranhado nos meus poucos amores que nem medo me metia. Eu sempre dizia ter medo, mas aí ele vinha com aquele jeito todo de segurar a minha mão e dizer que eu era um anjo, ia falando o quanto aquilo era predestinado, fazendo me zumbir os ouvidos até que eu ficasse tonta e caísse. Seus abraços me cobriam como jóias e eu esquecia dos detalhes sórdidos que circulavam o jogo que eu mesma criei pra conviver com paixões desvairadas.

E vieram postes no meio das minhas ruas. Eu fui direto, de cara, me quebrava toda em cada poste, mas o rapaz ainda vinha de mansinho após a queda, e me enchia das jóias-abraços e os beijos-diamante, e eu derretia como neve em lábios quentes.

Mas ainda assim eu estava quebrada. Eram os cacos que não se uniam. E um outro rapaz catou aos poucos, guardou num pote pedindo para que eu me aquietasse, que ele me derreteria também, que seria meu segundo sol. Colou os cacos numa só noite, me acariciou os cabelos molhados de uma chuva doce e me deu o olhar mais leal já visto pela cigana. Passou a andar pelas linhas da minha mão, trançando-as como tece suas palavras em textos nobres, enchendo de brilho as páginas exauridas da caneta falha. O segundo rapaz me tomou pela mão delicadamente e nunca mais soltou, deixou seus dedos se entrelaçarem aos meus como suas músicas se entrelaçaram aos nossos pequenos detalhes, invisíveis aos que não andam pelas linhas da minha mão.

Com estes rapazes vieram moças; uma que andou junto aos dois, acabando por esbarrar em mim, separando meus pedaços. Ela remontou meus cacos,tendo tristemente perdido uma peça - provavelmente crucial, deixando-me defeituosa de virtudes dedicadas a ela. Simultânea a esta, outra era a moça a quem sempre dei um leve passo para trás e abaixei suavemente minha cabeça, como se faziam com as damas virtuosas de antigamente. Tanta doçura exalavam seus olhos castanhos e seus cachos bem desenhados que eu, tão mortal, não poderia me permitir torná-los cacos. Por último, surge a que observou, e delicadamente segurou as tantas mãos que se embolaram nessa ciranda, fazendo com que a roda girasse mais devagar para que os cacos não se misturassem com tanto fervor.

Toda roda gigante gira como uma ciranda inesperada - alta, perigosa, colorida e cheia de sorrisos espalhados entre as lágrimas de pavor.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Sem a solidão desprotegida.




E era nos rebentos que doía mais. Eram momentos, aqueles que fazem o corte ser imune à cicatrização. Palavra rude de mãe sempre corta mais.







E foi logo depois da dor que chegaram as suas palavras. Justamente quando eu achava que não viriam mais. Vieram marcadas no papel, acalentando o coração choroso por entre as letras, escorrendo pelos olhos junto às águas que sua carta secou. A sua escrita tão simples, o seu jeito tão singular... Tudo ali, na minha frente, impresso pela caneta que sempre falha - diferente de sua lealdade. A maneira de sentir a minha dor, me envolver com teu sorriso e dizer que tudo ficaria bem. Eu ouvia a sua voz ecoar docemente em cada palavra. Tão real. Tão vivo.

Os traços chegaram, me envolveram, me acalmaram, me colocando no lugar certo.
Eu estava certa: você veio pra me proteger.
Você realmente se importa.


God bless you, Mr. Postman.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Sem desvio do olhar.


Olhares sempre me fascinaram.
Talvez porque, depois de tanto tempo, ver um olhar carregado da mesma essência, seja a melhor maneira de relembrar.
Eu me esqueço de muitas coisas. Sou dispersa, muito dispersa.
Mas pequenos olhares me rejuvenescem a memória. Trazem a mim uma brisa da insanidade adolescente, as músicas, as vozes, sorrisos e...
olhares.
De tantos eu desviei. Alguns, fixei por segundos, até cair, como uma conexão forte que se dissipa antes que exploda.
Olhos que conectam e tanto dizem. Músicas, vozes, visões, telefonema longos, de horas que se tornaram dias, de dias que se tornaram anos de distância.
A distância que acaba por funcionar como quando se interrompe a conexão de olhares. Como um intervalo, mesmo sabendo que é irresistível acabar dedicando seu olhar novamente.
Que é impossível a distância durar mais que os telefonemas.
Talvez ainda me sirvam os pobres olhos de cigana.