quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Sem os giros da ciranda.


Era estranho, aquele rapaz. Me tomou pela mão bem depressa, enquanto uma chuva tamborilava meus cabelos delicados, e disse que precisávamos correr pra fugir da calmaria. Depois que me largou, disse as palavras tão flutuantes pra que eu pudesse passar uma noite e mais um dia perdida em pensamentos. Ele não era parte do que eu tinha vivido até hoje mas estava tão bem entranhado nos meus poucos amores que nem medo me metia. Eu sempre dizia ter medo, mas aí ele vinha com aquele jeito todo de segurar a minha mão e dizer que eu era um anjo, ia falando o quanto aquilo era predestinado, fazendo me zumbir os ouvidos até que eu ficasse tonta e caísse. Seus abraços me cobriam como jóias e eu esquecia dos detalhes sórdidos que circulavam o jogo que eu mesma criei pra conviver com paixões desvairadas.

E vieram postes no meio das minhas ruas. Eu fui direto, de cara, me quebrava toda em cada poste, mas o rapaz ainda vinha de mansinho após a queda, e me enchia das jóias-abraços e os beijos-diamante, e eu derretia como neve em lábios quentes.

Mas ainda assim eu estava quebrada. Eram os cacos que não se uniam. E um outro rapaz catou aos poucos, guardou num pote pedindo para que eu me aquietasse, que ele me derreteria também, que seria meu segundo sol. Colou os cacos numa só noite, me acariciou os cabelos molhados de uma chuva doce e me deu o olhar mais leal já visto pela cigana. Passou a andar pelas linhas da minha mão, trançando-as como tece suas palavras em textos nobres, enchendo de brilho as páginas exauridas da caneta falha. O segundo rapaz me tomou pela mão delicadamente e nunca mais soltou, deixou seus dedos se entrelaçarem aos meus como suas músicas se entrelaçaram aos nossos pequenos detalhes, invisíveis aos que não andam pelas linhas da minha mão.

Com estes rapazes vieram moças; uma que andou junto aos dois, acabando por esbarrar em mim, separando meus pedaços. Ela remontou meus cacos,tendo tristemente perdido uma peça - provavelmente crucial, deixando-me defeituosa de virtudes dedicadas a ela. Simultânea a esta, outra era a moça a quem sempre dei um leve passo para trás e abaixei suavemente minha cabeça, como se faziam com as damas virtuosas de antigamente. Tanta doçura exalavam seus olhos castanhos e seus cachos bem desenhados que eu, tão mortal, não poderia me permitir torná-los cacos. Por último, surge a que observou, e delicadamente segurou as tantas mãos que se embolaram nessa ciranda, fazendo com que a roda girasse mais devagar para que os cacos não se misturassem com tanto fervor.

Toda roda gigante gira como uma ciranda inesperada - alta, perigosa, colorida e cheia de sorrisos espalhados entre as lágrimas de pavor.

4 comentários:

  1. "E vieram postes no meio das minhas ruas. "

    raduan nassar ficaria orgulhoso.

    ResponderExcluir
  2. Belíssima citação. Me faz lembrar da época que eu escrevia. Essa passagem é sua?

    Quero aproveitar e agradecer pelo comentário no meu blog. Você é sempre muito bem vinda para visitar e deixar suas sábias palavras. Vou acompanhar o seu blog de agora em diante.

    Um beijo grande do amigo de sempre,

    Jonathan

    ResponderExcluir
  3. de mim, de você... dá tudo no mesmo.

    ResponderExcluir